Todos os dias, as 6h30 eu chego à igreja, sempre com muita pressa subindo as escadarias, nem tão longas, mas assim mesmo cansativas ao ponto de parecerem intermináveis para quem corre. De forma ágil pego o jornal, que pelo entregador foi jogado ali ao chão, bem em meio aos degraus. O sol iluminava aquela linda e antiga edificação, construída em 1924. Luz e sombra pintam todos os dias bem cedinho aquela linda fachada de forma esplendorosa. Qualquer fotógrafo ficaria extasiado em apenas ver aquelas cores e luzes, o alaranjado do sol no branco e um preto de sombras com traços retos.
As senhoras beatas já estavam impacientes, eu deveria chegar muito antes das 6h30. Abro os portões laterais do estacionamento, e passo por elas dando um bom dia amarelo como a luz refletida por aquela fachada. Já tentei chegar mais cedo, mas é impossível! Como negar a tentação do acalanto etéreo que somente minha cama, nas manhãs gélidas de inverno, saberia me propiciar? Não tem como. Abro a Igreja, o sol me dá um lindo bom dia, com raios que invadem a nave. Sempre quando abro as enormes e pesadas portas de madeira; as senhoras que aguardavam adentram a Igreja, algumas com a cara onde o ódio parecia cerrar nos olhos. Outras senhoras pareciam compreender meu atraso e entravam passando por mim com um belo sorriso. Ambas são amadas por mim, gosto de todas elas não importando se são recíprocas, as mal-humoradas são importantes dentro da construção do meu dia, mas as educadas possuem um lugar especial em meu coração.
Todos os dias meu dia começa desta maneira: subo as escadas, pego o jornal, abro os portões do estacionamento, passo em frente as beatas na escadaria e dou um bom dia amarelo, abro as fechaduras que ecoam pela Igreja, abro as portas de madeira por onde o sol ilumina toda a Igreja... escadas, jornal, estacionamento, beatas, fechaduras, portas de madeira e o sol...
Mas houve um dia extraordinário. Chega um dia um cão e um senhor, ambos vira-latas. Estes apenas entram por uns instantes logo após o meu ritual escadas-jornal-estacionamento-beatas-fechaduras-sol. O senhor segue pelos corredores com o seu fiel amigo, para em frente ao altar da Sagrada Família, que fica próximo a sacristia, e faz uma oração inaudível, mas onde dera para escutar um agradecimento sincero, ainda que em balbucios. O cão abanava o rabo de felicidade, mas o cão ao contrário de seu rabo, estava comportado, e ofegava um pouco com a língua do lado de fora. O seu mestre, assim que terminou a oração se virou em direção da saída, o cão parecia que compreendeu e saiu em frente e o aguardou na porta da Igreja. O homem, então pega um pão de uma sacola que carregava, parte um pequeno pedaço e divide com o seu amigo e subordinado cão. Os dois assim se vão sob a luz da alvorada descendo as escadas.
Ninguém talvez tenha visto a poesia que fora tal cena, e se viu tal cena. Mas em meio a tantas críticas, inclusive as minhas, sobre tal instituição, o essencial e o necessário de se ver sobre tudo isso não passa do simples carinho ou cuidado com o próximo, de repartir o pão e agradecer inclusive o pouco que tem.
Fotografia: Raony Almeida Ribeiro
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